Cheguei no barbeiro com a impaciência de quem precisa cortar o cabelo. Como não havia marcado horário algum, tendo a sorte como fiel escudeira, recebi um sonoro chá-de-cadeira, por pouco mais de vinte minutos.
Concentrado na leitura de uma reportagem, vinte minutos não seriam lá uma espera. Infelizmente, a bateria do telefone não foi uma fiel companheira, me lançando ao destino das revistas de espera.
Como sou dado a uma boa banalidade, resolvi me entreter — a gente se diverte com o que pode. Nada que, no entanto, me impedisse de analisar as figuras, diria, genuínas daquele salão.
Havia, ali do meu lado, uma moça loira. “Singular”, pensei. Em alguns anos frequentando tal local, nunca tinha visto moça alguma usar dos serviços prestados por aquele salão.
Na entrada, um senhorzinho chega com o cabelo suficientemente curto, sem necessidade nenhuma de corte. Ele entrava ali pelo mais puro e belo ócio que a terceira idade guarda. Em certos casos, suspeito que o dia de alguns velhinhos seja medido em tempo plutoniano. Não há o que explique tanto tempo.
Eis que meu nome é gritado. Por fim, nem abri as revistas. Perdi meu tempo nos arquétipos de salão.
Sento-me na cadeira. O momento de colocar o pano é vital para conhecer a cabelereira. Por meio de um só olhar, é possível desvendar toda a vida daquela alma que vive do corte capilar alheio.
Alguns profissionais focam no seu serviço. Concentrados, se ateêm em meros “levanta o queixo”, ou o clássico “olha para baixo”. Outros, menos confiantes, precisam de puxar papo.
Entre estes, existem os sagazes: aqueles que analisam o estilo do cliente, e a conversa é meticulosamente voltada a isto. Outros, ainda crus, focam nas trivialidades futebolísticas e climáticas.
Que impessoalidade é o corte de cabelo, meu Deus.
Gostaria de ver como meu amigo Augusto Bastos se comporta no corte de cabelo. É que ele é daquele tipo que não nega um bom papinho, nem com o pipoqueiro de porta de escola. Imagino que o Augusto inverteria os papéis, e ele mesmo faria as triviais perguntas aos profissionais de corte.
Quando volto a mim, a moça me ordena olhar o chão. “É das contidas, essa”. São as que demoram menos no arte da tosa, por fim.
Olho para o lado, e está lá o velhinho ocioso, em sonoras e longas gargalhadas com uma outra mocinha, que parece emular um corte de cabelo. É evidente que não havia nada o que cortar ali. O trabalho desempenhado por ela não perdia nada ao de um terapeuta, com o perdão da comparação.
Alguns, como a mocinha cabelereira, o velhinho e o Augusto Bastos são dados a impessoalidades.