Pelé

Se pudéssemos entrar numa máquina do tempo e voltar a Europa de 1958 – precisamente nos cadernos de esporte dos grandes jornais – a Copa da Suécia seria um assunto em destaque.

Uma cobertura forte sobre os alemães, então campões mundiais, sobre a Hungria de Puskas e a França de Just Fontaine, que se tornaria goleador do torneio com treze tentos marcados.

O Brasil, que havia feito discreta campanha em 54, na Suíça, chegava sem alarde internacional.

No entanto, por aqui, um menino começava a despontar nos campos. Um menino como tantos outros que já vimos e ouvimos histórias, essas do futebol brasileiro.

Escreveu Nelson Rodrigues sobre o menino:

“Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais.”

Nelson e sua capacidade de falar sobre a humanidade quando relatava o futebol.

Pois bem. Era claro que o menino era especial. Conclui Nelson:

“Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos.”

No debate nacional, o menino recebeu a incumbência de encarar o complexo de vira-latas. De derrotar a ideia de que o brasileiro não seria capaz de bater seus oponentes internacionais: nem no futebol, nem em coisa alguma.

A história registrou quem é o menino e seus feitos. Ele se tornou Pelé. Rei.

Pelé não só afastou uma grande parcela de nossa inferioridade (que ainda resiste, por diversos motivos). Ele inventou um país.

Sua genialidade serviu como estandarte ao mundo. O Brasil é criativo e complexo ao seu modo. Em imagem e semelhança ao seu maior filho.

Um inventor de mão cheia. Que, ao dominar todos os fundamentos da pelota, tinha o que era preciso para se expressar.

Um rei preto. De um país cuja maldita herança escravocrata datava de pouco mais de cinquenta anos em seu nascimento.

Um imortal. Porque de 58 para cá, não há brasileiro que não seja um pouco Pelé. Porque ele inventou o que é ser brasileiro.

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