Em sua passagem pelos Emirados Árabes Unidos, o presidente Lula vocalizou algumas de suas visões sobre geopolítica e principalmente acerca da guerra na Ucrânia, entre Rússia e forças da Otan.
Antes de qualquer análise, registro uma posição contrária à guerra, afirmativa a uma paz urgente, que estabilize a situação internacional. E também evidencio a violação de tratados internacionais por parte do governo russo ao invadir as áreas do Dombas.
Lula afirmou: “A decisão da guerra foi tomada por dois países. E agora o que estamos tentando construir é um grupo de países que não tem envolvimento com a guerra, que não quer a guerra, que desejam construir paz no mundo, para conversarmos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia. Mas também temos que ter em conta que é preciso conversar com os Estados Unidos e com a União Europeia.” (fonte: Agência Brasil)
A fala ocorre em uma tour do presidente pela Ásia. Visitou a China e os Emirados Árabes, com um resultado de mais de R$60 bilhões em acordos comerciais. Um número superior a todos os negócios costurados pelo governo anterior em quatro anos de governo.
Politicamente, representou a aproximação do Brasil do eixo eurasiático da geopolítica. Um local interessante, que possui potencial de liderança em diversos ambientes de integração comercial internacional.
A fala que cito, já dada nos Emirados Árabes, causou discussões no Atlântico Norte. Autoridades da Otan, da União Europeia e dos Estados Unidos alegaram um discurso mais enviesado do que o “esperado” para um político neutro.
Aos que desejam uma análise ampla do contexto desta guerra, indico este artigo do sociólogo Marcelo Zero para o Brasil 257.
Em leituras como esta, percebemos que a trama complexa de relações internacionais não nos permite uma análise simplificada do caso. Há influência ocidental em inúmeros âmbitos da guerra: desde seu financiamento até o soft power fornecido por uma defesa cega ao lado ucraniano do conflito em todos os produtos de mídia ocidental.
Neste ponto, há justificativa para a fala de Lula. Os dois lados, nomeadamente OTAN e Rússia, escalaram este conflito de maneira bilateral desde o fim da URSS. Trata-se de duas forças que não medem esforços para impor suas visões de mundo ao público.
No entanto, o jogo de subserviência que os EUA jogaram com toda a América Latina nos induz a tomar posições sem espírito crítico. Os Estados Unidos promoveram momentos de terror e intervenção em nações soberanas ao longo de todo o século XX, com especial foco na Ásia e nas Américas.
No entanto, a legitimidade do kit democracia norte-americano se esfacelou com a perda de poder econômico e político dos últimos 40 anos. As ações desastrosas no Oriente Médio (pretendo a começar a usar o termo oeste da Ásia para me referir ao local) demonstram esta decadência.
Esta conjuntura, portanto, libera nações em desenvolvimento para buscar outras oportunidades que se avizinham em blocos distintos. O mundo multipolar tomou o lugar da globalização: a idealização de uma hegemonia neoliberal, baseada em “cooperação” e “livre mercado”, com seu cérebro operacional no eixo EUA-Europa, mostra sinais de fracasso.
Aos líderes dos novos não-alinhados resta a necessidade de um dom equilibrista. Em um mundo superconectado e atento, cada frase pode criar repercussões profundas em cenários tensos. Mas parece essencial que se possa reconhecer a complexidade de cenários sem temer retaliação dos players globais ocidentais.