A Vila Rica das Minas Geraes: para ver e ser visto

A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras.

Michel Foucault em “A Arte do Discurso”

A região da atual cidade de Ouro Preto, no centro de Minas Gerais, preserva registros do núcleo da história brasileira.

Aqui, sinais de opulência, poder, opressão, violência e, beleza, de modo paradoxal, pintam o quadro do que foram os mais de cento e cinquenta anos de liderança política da região. Um poder tão marcante e sólido que ajudou a modernizar o que chamamos de Brasil, e ecoa até hoje na história nacional.

Como meu relato é baseado sobretudo em uma visita, ressalto que tratarei de um ponto de vista estético da sociedade. O que nos contam os prédios, ruas, mobiliário e tudo que marca o lugar?

Partindo de uma contextualização histórica: o primeiro registro da descoberta de ouro na região da capitania hereditária das Minas Geraes data de 1690. Período com grande atenção voltada a outras colônias, sobretudo nas costas africanas e asiáticas. O Brasil cultivava cana-de-açúcar na porção nordeste de seu território, principalmente.

Como é de se esperar, a notícia da descoberta de ouro na região criou uma das primeiras corridas por extração que o mundo moderno presenciou. E se valeu da estrutura viária da tribo indígena dos Cataguases, que habitava a região há tempos, para estabelecer uma malha comunicativa que utilizamos em deslocamentos rodoviários até hoje.

Pois bem. A porção central do que hoje conhecemos como o estado de Minas Gerais aglutinou grandes polos da mineração. Uma concentração tamanha de capital que não poderia ter resultado em qualquer coisa além de quebra de paradigmas.

O século XVIII testemunhou a ascensão de uma classe dominante enriquecida e desejosa de uma realidade social que a representasse. Daí o fortíssimo simbolismo da opulência presente na arquitetura de cidades como Ouro Preto: os prédios coloniais demonstram riqueza por terem escalas que apequenam o espectador, parecem distorcer sua posição no mundo.

A manipulação das escalas na arquitetura é ferramenta de poder presente em quase todas as civilizações da história humana. Desde os prédios que inspiravam a harmonia e beleza clássicas na Grécia Antiga, até o elogio a função, que por sua vez cria sua própria forma, em Brasília.

Aqui, os casarões parecem engolir a rua. Era preciso ter certeza que a sociedade te viu, e você a viu de volta. O estabelecimento de um contato de poder, essencial para a manutenção de um regime escravocrata.

As igrejas também estão sempre na linha do horizonte do observador. Em uma cidade que não vivenciou o desenvolvimento de arranha-céus, percebe-se que a forma dos santuários e suas localizações contribuem para a reafirmação da lógica de quem manda aqui.

Assim, o oprimido se sente, além de tudo, um vigiado. Talvez a vigilância possa ser misturada aqui com um olhar de carinho e cuidado deste pai simbólico que legitima o poder.

Trata-se de uma lógica de busca por uma figura central nas decisões políticas que ecoa até hoje no imaginário nacional.

Há muito o que se destrinchar de uma cidade como Ouro Preto. É um dos mais ricos registros históricos que temos de um Brasil tão próximo e tão distante da nossa realidade.

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