Jogando xadrez com os pombos: a lógica da monetização de conteúdo na internet e suas implicações

Os mesacasts se tornaram importante mídia no debate público brasileiro. O formato foi aceito pelo público que consome conteúdos no YouTube e em outras redes de maneira cotidiana, tanto em longas lives quanto nos cortes específicos de pontos da conversa.

Acontece que a lógica de divulgação e consequentemente de monetização do conteúdo entre os milhares de produtores das plataformas cria uma enorme competição. Uma disputa sobretudo pelo tempo do usuário, ativo considerado valioso pelas bigtechs.

Talvez por isso os conteúdos das entrevistas é costumeiramente amarrado por polêmicas. É uma busca diária por temas espinhosos, explicados muitas vezes de maneira controversa por entrevistados que desejam tráfego grátis.

Não é de impressionar que esta lógica rapidamente vire um show de ódio e preconceito, os afetos que mais engajam públicos nas redes.

E neste sentido, alguns programas buscaram criar debates de cunho democrático entre figuras de campos opostos. Pura cascata.

Analisemos com atenção a chamada do episódio 829 do Podcast Inteligência Limitada, de Rogério Vilela. O que há de se tirar de um debate entre evolução e criação?

Nada além do estabelecimento de uma falsa simetria. Passamos a normalizar que ideias de campos completamente antagônicos entre si se tornem iguais, detentoras dos mesmos direitos e legitimidades na arena pública.

Comparar a seleção natural de Charles Darwin com a doutrina criacionista das religiões abraâmicas não tem nenhum embasamento científico e não produzirá nada além de mais desinformação.

Não se trata de gostar mais de um ou de outro: mas sim de ciência. A hipótese da evolução das espécies possui fundamentos que se sustentam até hoje, enquanto o criacionismo deve ser estudado enquanto conteúdo antropológico/sociológico, e que segue influenciando as diversas sociedades de matriz abraâmica até hoje.

Quando colocamos os dois campos em pés de igualdade para explicar a história do nosso mundo, por melhor que for a vontade de todos ali, nós legitimamos que qualquer narrativa seja equiparada a ciência.

Negligências que seguiam a mesma lógica falsa de liberdade democrática são responsáveis por centenas de milhares, senão milhões de mortes pela COVID-19 em todo o mundo. O futuro reserva uma catástrofe climática com os níveis de produção industrial crescentes em todo o planeta. Autocratas venceram importantes eleições nos últimos anos municiados de notícias falsas e soluções baratas para problemas complexos.

Tudo isso se resulta em grande parte por este zelo pseudo-imperativos universais como a liberdade na internet.

Repito o que escrevi em um texto anterior. Não podemos falar em defesa da liberdade na internet quando certos debates políticos, como legalização do aborto e estudos sobre o nazismo são sumariamente censurados pelas plataformas.

Enquanto isso, a pseudo-ciência e os canais de extrema-direita avançam sem nenhuma preocupação. Eles têm grande vantagem produtiva sobre os divulgadores científicos, pois não lidam com a dimensão da checagem e apuração do que escreveram, uma vez que espalham fatos invetados por aí.

O divulgador de falsa ciência também nunca se dará por vencido. Quando seu repertório esgota, terá sempre o refúgio de tratar de um tema metafísico, que está para além da compreensão material.

Pois é exatamente por este fato que não devemos misturar estas tintas. Se tudo pode ter um verniz científico, no fim das contas nada será ciência.

Assim, valeria a pena o esforço de debater num espaço como este? Não parece lógico entrar numa briga desenhada para que um lado perca.

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