Estamos vigiando o Big Brother

O Big Brother Brasil iniciou sua 21ª temporada nesta terça-feira (9). Mais uma vez o burburinho é grande, sobretudo na imprensa cotidiana que ganha muita pauta com o programa.

É surpreendente, no entanto, que chegue com tamanha saúde de popularidade em TV aberta após quase vinte anos de exibição ininterrupta. Há uma evidente química entre o telespectador brasileiro com o formato do reality show.

Também é bem verdade que a casa já possuiu diversos ethos comportamentais. Cada edição reflete um certo espírito de seu tempo. Se voltarmos aos anos 2000, há mais presença de uma visão de mundo preconceituosa, misógina e racista, sedimentada e pacificada entre os participantes. Por diversos motivos, o cenário de debate público nacional não comporta essa cultura da mesma maneira, e de fato o eixo de discussões dos programas mudou.

A charge projeta um arquétipo idiotizado ao espectador do BBB. (Autor desconhecido)

Nos vinte anos que viram ascensão e queda do petismo Lulista, o terremoto político de junho de 2013, a onda conservadora lava-jatista e um período de pandemia, o programa esteve lá.

Sobreviveu (e sobrevive) inclusive a um discurso preconceituoso e reacionário, que o colocou como uma espécie de ópio do povo. Uma poção inebriante que desviaria o povo dos poderosos vilões.

Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo

Sejamos o lobo do lobo do homem

Lobo do lobo do lobo do homem

Caetano Veloso em “Língua”

Veja que há aqui uma adoção torta de conceitos acerca de indústria cultural. O tópico foi objeto de estudo de diversos filósofos europeus de meados do século XX. Eles se debruçaram na relação que se estruturou entre sociedade, poder e a estrutura de mídia da primeira metade daqueles cem anos.

Não há como condensar uma corrente tão complexa em apenas uma frase, mas nomes como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin marcaram a história por tecerem uma crítica contundente aos produtos midiáticos do projeto capitalista. Olhavam sobretudo para a propaganda nazifascista da Europa e para show business norte-americano.

O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto.

Theodor Adorno e Max Horkheimer, em ‘Dialética do Esclarecimento’

É evidente que um programa como Big Brother Brasil possui premissas simples. Também é claro que a Rede Globo o usará para propagandear não só produtos, mas modelos de vida. No entanto, colocar o público como um agente passivo nessa história talvez seja um grande erro da análise reacionária.

O programa tem sofrido mudanças constantes para se adaptar ao passar dos anos. Não lida com abusos da mesma maneira. Hoje, não há só vigilância. Há milhões de usuários repercutindo vídeos exaustivamente sobre cada segundo do que acontece dentro da casa.

Essa dinâmica brutal e acelerada pode evidenciar injustiças e crimes, mas também gera distorções. Criam-se vilões e mocinhos sem devida reflexão. O produto é, no fim das contas, o barulho. Ele que é unidade de medida nas redes, o termômetro de patrocinadores e o norte dos fã-clubes de participantes.

Não importa se a pauta da vez é progressista e se critique o racismo ou a misoginia, ou se um reacionário defende que o mundo está chato. Os dois têm voz pois ambos geram conteúdo para suas bolhas, portanto alimentam as máquinas num processo infinito.

Talvez nesse momento uma crítica frankfurtiana é cabida. A indústria cultural instrumentaliza o gosto, o gozo, a identidade, os afetos e os posicionamentos de todos. Nada escapa ao poder de se transformar tudo em produto.

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