O que pode haver por trás do discurso de privatização nos dias de hoje?

O processo de privatização da SABESP, companhia pública responsável pelo abastecimento de água do estado de São Paulo, a principal economia do Brasil, está cada vez mais sólido. O projeto tomou corpo mais sólido ao longo do mandato do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Sua gestão é marcada por um forte norteamento ideológico bolsonarista. Portanto, em um âmbito econômico, sempre deixou marcada sua busca por privatizações da infraestrutura pública: no início de seu governo, anunciou o planejamento da entrega pelo menos 14 empresas do estado ao mercado.

Entre elas está a sexta maior empresa de abastecimento de água do mundo (e tema principal deste artigo). Responsável pelo atendimento a uma das regiões mais populosas do planeta. Além disso, e talvez mais impactante em aspectos políticos, administradora de um importante ativo estratégico no estado que lidera a economia nacional.

Portanto, a entrega de empresa de tamanho calibre socioeconômico para a iniciativa privada deveria ser assunto sensível no debate nacional.

O debate acerca de privatizações cresceu politicamente a nível internacional ao longo da década de 1990. A queda do Muro de Berlim e de grande parte dos regimes do eixo soviético no período deixaram diversas economias em frágil estado. Tentaram-se a aceitar planos de refinanciamento de dívidas propostos por entidades como Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial. Estes acordos muitas vezes continham cláusulas que obrigavam a desregulamentação de diversos mercados internos, que propiciaram a compra e exploração máxima destes ativos por entes privados dos países desenvolvidos.

Diversos países latino-americanos adotaram o discurso liberalizante durante esta década. Foi o tempo de projetos como o Plano Cavallo na Argentina, que radicalizou ao dolarizar a economia nacional, e da abertura de mercados no Brasil, por exemplo. O governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) empreendeu a privatização de diversas empresas brasileiras, sobretudo nas áreas de telecomunicação e na exploração mineral, no caso da Vale do Rio Doce.

O processo de neoliberalização e busca por novos mercados privatizáveis não sessaram ao redor do mundo, no entanto. Conflitos como o que vemos na Ucrânia, por exemplo, significam a tomada econômica de países inteiros por fundos de investimento, que passam a mandar na realidade econômica local.

Voltando ao caso da SABESP. Noticiou-se nesta segunda-feira (1) que o leilão da empresa seria disputado por uma única empresa: a Equatorial Energia S.A. Atuou entre 1958 e 1999 como Companhia Energética do Maranhão S.A. (CEMAR) — uma empresa pública, portanto. Foi no governo FHC, no entanto, que passou pelo processo do Plano Nacional de Desestatização (PND). Desde então, sua posse e comando passaram pelas mãos de diferentes agentes do mercado, e hoje tem no hall de investidores gestoras como a Capital World Investors e o fundo Blackrock, por exemplo.

Estudos macroeconômicos da London School of Economics, que analisaram privatizações em países em desenvolvimento, registraram alguma diferença positiva na prestação do serviço de abastecimento por parte de empresas privadas. No entanto, estas melhorias em métricas de qualidade da água e alcance do serviço não estavam dissociadas de investimentos e na disponibilidade de infraestrutura das áreas atendidas. Portanto, regiões com menos acesso estrutural ao bem não tendem necessariamente a ter sua demanda atendida, mesmo que o modelo em questão de fato gere desenvolvimento.

Não trato aqui de colocar uma pedra sobre qualquer um destes assuntos. No entanto, cabe olharmos também para as estruturas socioeconômicas das questões que nos são apresentadas. E sobretudo analisar com cuidado suas justificativas.

Compartilhe: