O atentado sofrido pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump na Pensilvânia, no último sábado (13), não marca somente a corrida eleitoral do país. Ela pode gerar um novo e profundo contorno na identidade política nacional.
É importante salientar que tentativas ou mesmo o assassinato de presidentes, ex-mandatários e candidatos não é uma novidade nos EUA. É um fato notório e público, e de alguma forma ajudou a formatar o arquétipo de pessoa ideal para ocupar o cargo: o sujeito forte.
Os norte-americanos encaram a posição de seu presidente sempre como o mais duro trabalho do mundo. Críticas-ao-complexo-de-auto-excepcionalidade à parte, esta lógica de pensamento elege o candidato de personalidade forte, seguro, que passe confiança. Este próprio fator é o que hoje causa arrepios nos líderes democratas, que enxergam na senilidade de Biden um ponto de forte desgaste frente a opinião pública.
Mas voltemos ao caso em análise aqui: Trump sofreu um atentado. Em poucos segundos, ainda que assustado, pôde recobrar sua consciência e posar para as câmeras. Levantou o punho, em riste, e se colocou como um sobrevivente.
A imagem que rodou o mundo mostra o ex-presidente cercado por três seguranças. Ao fundo, no céu, uma bandeira americana. Ele está sujo de sangue, mas seu olhar é confiante, não é assustado. Trata-se de um arquétipo heroico, que venceu o perigo e não se amedronta, pois é forte.
É a materialização de uma carta na manga que ex-presidente sempre quis ter: do mártir que sobreviveu para contar sua história. Muito mais potente que o resultado dos julgamentos dos quais é réu. A imagem é potente o suficiente para mexer com cabeças e corações, e de alguma forma preenche, completa a necessidade da figura forte no candidato ideal daquele contexto.
E para além do jogo eleitoral, pode funcionar como uma espécie de sinal metafísico da excepcionalidade de Trump. O americano que se identifica com os ideais trumpistas flerta em diversos momentos com noções de um destino nacional fadado à grandeza. O que os impediria de entender que nessa sobrevivência (que de fato é incrível, dado a proximidade que a bala passou) reside o maior sinal de que estamos de frente ao escolhido para a guiar a nação contra o mal comunista?
Trata-se de um signo muito forte que agora está livre para ser trabalhado nas poderosas redes de desinformação da extrema-direita norte-americana. Não acharia estranho caso se tornasse estampa de camiseta em estética de estêncil.