De crise em crise

A indústria do cinema vive sua mais profunda crise desde a pandemia do coronavírus, em 2020. É resultado de um contexto complexo, que envolve evolução da tecnologia, mudanças econômicas globais e, sobretudo, a lógica de mercado atuando na prática.

Entre 1995 e 2020, o número de cinemas abertos nos Estados Unidos caiu de 7.744 para 5798. É um recuo de mais de 25% no tamanho do maior mercado de entretenimento do século XX ao longo dos últimos 30 anos.

Talvez a mais evidente causa para este fato tenha nascido no mesmo ano de 1995 (pelo menos comercialmente): a internet de alta velocidade. Com a evolução tecnológica vista tanto nos aparelhos de reprodução de mídia quanto no potencial de conexão à rede, era uma questão de tempo para o mundo digital oferecer soluções de consumo mais convenientes ao público que os grandes cinemas de rua.

O aparecimento de Netflix, Hulu e outros serviços desde o início dos anos 2010 conferiu materialidade a esta análise. Rapidamente as plataformas caíram no gosto do público e, ano após ano, passaram a representar uma fatia mais robusta do mercado internacional de entretenimento.

Isso vem ferindo o consumo histórico do público de cinema. Cada vez é menor o interesse rotineiro por assistir filmes em salas, trocados pelo confortável e menos custoso sofá de cada.

Cabe ressaltar também dois aspectos econômicos nesta análise: a inflação do dólar aumentou consideravelmente nestes quase 30 anos, assim como o poder de compra médio em países desenvolvidos caiu severamente. Portanto, o ingresso ficou mais caro e o dinheiro vale menos. É mais custoso levar a família semanalmente para um passeio com três ou quatro ingressos, com refrigerante e pipoca para todo mundo.

Neste cenário, fica claro que os streamings se tornam competidores duros. Entregam grandes (e crescentes) bibliotecas de conteúdo, permitem consumo individualizado em telefones, tablets e computadores, e evitam outros custos inflacionados, como os combos de pipoca das redes de cinema. Tudo isso por uma taxa fixa, sem ingressos.

Para além da disputa mercadológica, também é claro o potencial das ferramentas online, piratas ou não, de oferecer conteúdo infinito de maneira simples para os usuários. Hoje, com razoável conhecimento digital, é possível assistir a grande parte de tudo que o cinema já produziu, de maneira gratuita, em alta qualidade.

Por isso, talvez a capacidade de pirateamento de conteúdo da internet seja sua característica de fato mais revolucionária. É muito difícil de impedir esta dinâmica. O aspecto descentralizado da rede impede que todos os links piratas de um determinado filme, ou série, ou livro caiam do dia para a noite por alguma pressão corporativa.

É isto que ajuda filmes, séries e livros fora de catálogo a encontrar novos espectadores ou leitores. Afetam muito pouco a lucratividade das empresas donas dos direitos destes produtos. Um colateral desprezível em suas contabilidades bilionárias.

Portanto, me parece que a crise é resultado das mudanças históricas no mundo em que vivemos. A superestrutura da indústria de entretenimento está em descompasso com a realidade econômica, social e tecnológica dos nossos tempos. Irá parir outra superestrutura, com novos barões controladores, que por sua vez terão suas contradições e por isso cairão. E assim por diante.

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