Queda de braço

A eleição norte-americana de 2024 não decide somente o presidente pelos próximos quatro anos. Também ajudará a definir, sobretudo com mais perspectiva histórica, qual terá sido o verniz ideológico da maior potência do mundo ao longo das três primeiras décadas do século XXI.

Se recapitularmos quais foram os presidentes americanos e seus respectivos alinhamentos políticos nos últimos 24 anos, temos George W. Bush e Donald Trump contabilizando 12 anos de administração republicana na Casa Branca. Os democratas também somam o mesmo tempo no poder, com Barack Obama e Joe Biden na presidência — porém, agora com a vantagem de buscarem uma reeleição. Neste caso, não do atual presidente, mas de sua vice, Kamala Harris.

A ex-procuradora da Califórnia está em alta. A revista New Yorker ilustrou em sua última capa a atual euforia em torno da chapa de Harris e Tim Walz, candidato a vice-presidência, em analogia à subida de uma montanha-russa. Em contraste, a dobradinha Trump e J.D Vance se mostra pouco apelativa. Os republicanos têm sido menos objeto de pautas na mídia norte-americana que a dupla democrata.

É evidente que se tratam apenas de impressões. Sobretudo em um país cujo sistema eleitoral é fragmentado, e tende a ajudar republicanos a vencerem sem a maioria dos votos, como ocorreu nas duas últimas vitórias federais do GOP, com Bush em 2000 e Trump em 2016.

Kamala Harris tem um discurso moderado, até conservador em certos aspectos, mas se encaixa como uma luva na atual ideologia democrata. Ela teria espaço e poder para avançar em demandas sociais internas, latentes sobretudo nos campos de raça e gênero. E pelo que aponta seu projeto econômico, deve aliviar a carga tributária de grande parte da população e taxará grandes empresas e fortunas.

É de fato um cenário interno muito diferente do que poderia acontecer com Trump no poder. Neste caso, veríamos um acirramento dos conflitos sociais internos, sobretudo nas políticas de imigração. No aspecto econômico, o cenário também é o contrário de Harris: pouca regulamentação e menos tributos para as elites econômicas, enquanto as grandes empresas norte-americanas usufruiriam de proteção no mercado interno, como na indústria automobilística elétrica. Uma posição que pode trazer riscos econômicos ao país, inclusive.

No plano internacional, as diferenças também são acentuadas. Trump tenderá a retirar os EUA de cúpulas como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o que enfraqueceria a política ocidental como a vemos hoje em dia, com uma ampla defesa do território Ucraniano, por exemplo. No caso de Harris, se seguir os passos de Obama, cuja atuação internacional foi marcada por decisões incertas e erráticas, poderemos ter também um cenário nublado. A tendência mais certa, no caso dos democratas, é sempre o apoio a intervenções democráticas em países estratégicos de suas regiões.

Fica claro que se trata de dois projetos distintos de governo. Com um abismo ideológico entre si, e que marcariam distintamente a forma que encaramos a história dos EUA neste primeiro quarto, ou terço, de século XXI.

Compartilhe: