Um mundo de entrevistas pasteurizadas

O Brasil se destaca internacionalmente por sua avidez no consumo de conteúdo na internet. É uma realidade que se constrói desde a popularização do ambiente digital em solo nacional. Sempre que se tornam acessíveis, as plataformas tendem a cair no gosto popular.

É o caso da cena de podcasts por aqui. Somos o um dos maiores mercados consumidores do formato no mundo. Mais de trinta milhões de brasileiros afirmaram ter ouvido podcasts por mais de uma vez nos últimos doze meses, e cerca de 42% da base nacional de usuários de internet tem contato com podcasts semanalmente, de acordo com dados da pesquisa DataReportal 2023.

Este cenário, por sua vez, é dominado pelos mesacasts. As longas entrevistas, em sua grande maioria transmitidas ao vivo, demandam pouca edição e têm grande apelo popular. Isto atraiu o mercado publicitário, que investe fartamente nesta cena, sobretudo desde a pandemia do coronavírus.

O formato se revelou, de fato, como o par ideal para a publicidade: em sua grande maioria, se tratam de programas inofensivos em termos de seu conteúdo. Por serem feitos em ritmo industrial, com canais populares gravando mais de três edições por semana, tendem não a realizar nenhum estudo prévio sobre o entrevistado.

Temos como resultado conversas pouco confrontadoras, que acabam se dando num clima de camaradagem forçada entre os participantes, sobretudo por estarem ao vivo o tempo todo. É um jogo que favorece entrevistador e entrevistado. As imagens saem beneficiadas pelo bate-papo baseado em platitudes.

A entrevista do ex-presidente Jair Bolsonaro ao canal Inteligência LTDA em 2022, por exemplo, teve pouca efetividade em discutir seus anos na gestão nacional. Na realidade, o programa serviu para que o então candidato pudesse falar, sem grandes interrupções, sobre o que bem entendesse.

Esta dinâmica é ainda potencializada por um sistema de algoritmos que premiam este tipo de estabilidade, tanto no YouTube quanto nas redes sociais. No fim do dia, gera-se uma quantidade fabulosa de conteúdo pasteurizado, pacificado, que pouco cria em termos de reflexão. Tudo isso apoiado no argumento de que se trata de entretenimento.

Existem exceções, é claro. Aliás, dada a escala infinita de produção de conteúdo midiático na internet, há também os muitos que nadam contra a corrente. Mas trato aqui da tendência: o sistema de produção da indústria cultural digital tende a ser cada vez mais pacificado, menos crítico, porque é tentador, lógico e previsível fazê-lo deste jeito.

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