Sem individualismos

A cobertura de grande parte da imprensa nacional sobre as tensões e conflitos regionais de Israel sofreu profunda mudança desde outubro do ano passado. As dezenas de milhares de mortos registrados na Faixa de Gaza, área atacada constantemente nos últimos doze meses, agora somados às vítimas do conflito que eclode no Líbano, são os principais motivadores desta mudança de percepção

O país gozou de visão positiva no ocidente, que se estendeu durante o século 20 até os recentes eventos citados. A cultura israelense, bem como sua capacidade de autogestão, sempre foram ressaltadas pelos noticiários e no debate público: Israel era um exemplo de conduta ocidental no coração do oriente médio.

O país de fato se beneficiou da repercussão de certas conquistas nacionais. A consolidação como referência na exportação de tecnologias como o WhatsApp e o Waze retrata a imagem em questão. Detentor de uma economia sofisticada, com uma população cada vez mais educada e cosmopolita, em tese.

No entanto, a conduta do país nos conflitos dos últimos doze meses passou a gerar outra percepção no público. Fica cada vez mais difícil de esconder e sustentar uma narrativa contrária aos fatos — estes, por sua vez, deixam evidentes as ações de extermínio de populações civis, que ocorrem hoje sob a regência do governo israelense.

Convém notar um detalhe na forma que esta história vem sendo contada. É comum ver analistas colocando grande parte da responsabilidade das ações bélicas em um certo desespero do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu para se manter no poder a qualquer custo. Análise esta que não está errada: mas limitar-se somente a ela torna rasa a compreensão do fato.

Netanyahu e todo o seu gabinete de extrema-direita, responsáveis diretos pelas ações de guerra do último ano, são produtos de uma cultura política específica. De um ideário originado ainda no século 19, inspirado no mítico Israel bíblico, que se consolida como uma identificação étnico-nacional e ganha materialidade em 1948, com a fundação oficial do estado israelense.

Portanto, camadas extremistas de uma cultura fundada nestes pilares históricos não se comportariam de outra forma. A sanha expansionista e o desprezo pelas vidas civis evidenciam uma autopercepção de superioridade. Transformada em política pública com os grandes investimentos nos assentamentos de colonos em áreas de fronteira, por exemplo.

Não se trata aqui de julgar toda a cultura israelense como fascista. Porém, há de se reconhecer que hoje o país é governado sob este ideário. O que ocorre hoje não é um fato isolado, de um maluco que alcançou o poder e nele tenta se manter. Há um contexto histórico e social que vem há décadas formatando o cenário para chegarmos no atual estágio dos conflitos.

Resumir uma história de tamanha complexidade na conjuntura política de um mandatário é, inclusive, perder a oportunidade de se analisar a cultura em questão. Somente análise, seguida de reflexão e tempo foram capazes de enfraquecer socialmente os maiores movimentos extremistas do século 20. Que sirva de exemplo.

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