A tirania do torcedor-cliente

A final da Copa do Brasil de 2024 do futebol brasileiro ficou marcada por episódios de violência na Arena MRV, em Belo Horizonte. A torcida mandante, do Atlético-MG, arremessou bombas, sinalizadores, alimentos, bebidas e algumas outras sortes de objetos no gramado ao sofrerem o gol que encerrou a disputa contra o Flamengo, aos trinta e oito minutos do segundo tempo.

As cenas não são incomuns na história do futebol brasileiro. A intensidade da violência nos dias de jogos ganhou força a partir dos anos 1990, quando, de fato, passa-se a ter registros de verdadeiras batalhas campais em estádios, sobretudo na cidade de São Paulo.

Os últimos anos, no entanto, marcaram o crescimento e uma violência e uma ira diferente nas arquibancadas. Não só nos grandes clássicos contra rivais que, com o passar do tempo, se sedimentaram como inimigos mortais. Mas também em momentos trágicos da história dos times, como em rebaixamentos de divisão, por exemplo. Ao longo dos anos, times como Coritiba, Palmeiras e Cruzeiro tiveram momentos tensos após caírem para a série B do futebol nacional.

Ontem viu-se a frustração de um vice-campeonato ser transformada em ira. Havia o componente da rivalidade histórica por parte dos atleticanos, os derrotados da vez. Mas quantas vezes viu-se uma medalha de prata afetar tanto uma torcida?

Esta ira interna, que se revolta contra o próprio time, não fazia parte deste ecossistema do futebol. Pelo contrário, as torcidas dos grandes times de futebol, em sua maioria, têm histórias de apoio aos elencos em momentos de crise ou de frustração.

Hoje, a lógica do consumo parece ter embaralhado a ordem de prioridades e da moral dos torcedores. As arenas, os principais palcos do futebol brasileiro desde a Copa do Mundo de 2014, são o símbolo deste cenário. Cada vez mais inacessíveis, sobretudo financeiramente, são ambientes prontos para receber clientes. Cada centímetro do projeto destes locais atende a uma lógica de consumo.

Os clubes também infantilizam seu torcedor. Mimam seus seguidores em redes sociais e forçam aos que querem ir ao estádio que se tornem parte de programas de assinatura, mediante pagamento anualizado em cartão de crédito.

A grande imprensa, vendo seu share do mercado ir para o ralo com os youtubers clubistas, se rende ao modelo de cobertura de fã para fã. Críticas são vistas como ataque a instituição, e o crítico se torna um anti.

E como o freguês tem sempre razão, ai de quem atrapalhar a festa. Perder não está o script, no plano de vendas. A mistura de instituições cada vez mais atravessadas por um pensamento de mercado, em conjunção com traumas históricos e incivilidade, parecem gerar estes e tantos outros fenômenos políticos no Brasil contemporâneo.

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