História sem fim

Francis Fukuyama é um economista e filósofo norte-americano, conhecido por seu livro de 1992, O Fim da História e O Último Homem. Neste trabalho, argumenta, a grosso modo, que os eventos históricos decorrentes de vitórias ocidentais ao longo do século XX, nomeadamente em 1945 contra o eixo fascista e no fim dos anos 1980 sobre os países da cortina de ferro, teriam gerado uma hegemonia inquebrável de um certo grupo de potências sobre o restante do planeta.

Este processo, portanto, resultaria no fim da história. O que haveria de superar um modo de viver que enfrentou econômica e politicamente tantas adversidades ao longo de um século? E, além disso, passava a adotar uma agenda de integração econômica internacional, baseada na cooperação entre nações, de maneira pacífica?

A visão que Fukuyama traz na obra é fruto de um tempo marcado pelo avanço da globalização. O fim dos anos 1980 marcou uma elevação no número de países que recorreram a mecanismos internacionais como o FMI em busca de socorro econômico. Muitos sofriam pelos efeitos do choque do petróleo de 1979, que desequilibrou uma ordem econômica sólida, vinda desde 1944 em Bretton Woods, quando o dólar passou a ser o lastro monetário do ocidente.

Outros países, cuja história era de dominação por parte de potências ocidentais e orientais, sobretudo em África, Ásia e no leste europeu, viviam seus primeiros anos de independência política das metrópoles. Eles também se fiaram em políticas neoliberais para desenvolver suas incipientes economias.

1992 também marca o avanço na integração regional da União Europeia. Num espaço de sete anos, o continente europeu teria zonas de livre circulação de pessoas e comércio bem definidas, assim como uma moeda única, o Euro. Uma solução econômica que centraliza decisões e se fia nas grandes potências do grupo, como Alemanha, França e Itália, e permitiu a modernização e complexificação do cenário de outros países da região, como Portugal e Grécia, por exemplo.

E nos Estados Unidos, de onde Francis Fukuyama escrevera sua tese do fim da história ao assistir cair a União Soviética, o futuro parecia ser ditado por suas aspirações cada vez progressistas, de um ponto de vista norte-americano. As indústrias de tecnologia do Vale do Silício produziam um imaginário futurista para o futuro (com o perdão da redundância), aonde os problemas sociais do século XX seriam ultrapassados por soluções digitais cada dia mais eficientes.

Não demorou para o mundo continuar tendo história. Os anos 1990 foram marcados pela ascensão de um terrorismo fundamentalista religioso, de matriz islâmica sobretudo, em regiões como o norte da África e no oeste da Ásia. Muitos inclusive financiados pelo fluxo de capital gerado desde o choque do petróleo até hoje.

Os eventos de 11 de setembro de 2001 inauguram o século XXI. Instauram um novo inimigo para o ocidente, que demandam uma política fiscal expansionista por parte do FED, o banco central norte-americano. Estes dólares espalhados no mercado internacional caem nas poupanças chinesas e nas mãos dos países em desenvolvimento. O quadro acelera o desenvolvimento das cadeias globais de produção e, por consequência, fortalece os emergentes.

Neste 20 de janeiro de 2025, assume o governo dos Estados Unidos um projeto político que não poderia ser mais distante das ideias norte-americanas da década de 1990. É ainda mais sectário com minorias e agressivo internacionalmente que a primeira encarnação do governo Trump, de 2017 a 2020. Defendem e prometem a implementação de tarifas contra o mundo inteiro, sobretudo contra os que defendem a desdolarização das relações econômicas. Ameaçam a soberania de outros países em nome da ‘América em primeiro lugar’.

Para se adequar ao momento, as grandes empresas de tecnologia vêm abandonando um ideário outrora visto como arrojado, com promessas de busca por respeito a diversidade, pelo discurso da extrema-direita norte-americana. O anúncio de Mark Zuckerberg na primeira semana deste ano sobre a mudança nos valores de sua empresa, o Meta, quanto a estes assuntos é simbólico: irão transferir parte significante da operação de checagem de fatos para o Texas, mais conservador que a Califórnia, a fim de atrair confiança da população trumpista.

A conjuntura deste século XXI acaba por mostrar que a história não terminaria. Aliás, a globalização, fato que seria o motor de um novo momento histórico hegemônico para o ocidente, gerou suas próprias contradições, que implicaram num mundo diferente do que se projetava na virada do século. Os ideários foram trocados como uma roupa fora de moda, que não serve mais às tendências do dia.

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