Verdades ao gosto do freguês

O Google Maps anunciou na última terça-feira (28) uma mudança na nomenclatura do Golfo do México, que passará a se chamar Golfo da América para usuários navegando na internet pelos EUA. Assim, a informação dependerá da localização do usuário: para o restante do mundo, nada muda.

Esta não é a primeira vez que a ferramenta de navegação do Google toma uma posição ambígua em disputas geográficas. Na realidade, existem diversas fronteiras pontilhadas ao redor do globo: as áreas capturadas pela Rússia ao longo da guerra na Ucrânia, ou mesmo o território tibetano, por exemplo, não são indicados de maneira definitiva nos mapas da big tech. Há outros diversos casos que comprovam esta posição.

A atitude da multinacional parece reforçar, na realidade, que nossa dinâmica social gira cada vez mais em torno da ideia de pós-verdade. Para instituições privadas como estas, cada vez mais poderosas, talvez até mais fortes que estados nacionais, pouco importa que suas informações tenham divergências entre nações diferentes. Se isto garantir estabilidade para os negócios locais, será o fator mais importante a ser levado em conta.

Este é um exemplo simples, e até aparentemente inofensivo, do quão capazes de moldar nossa realidade são as gigantes da tecnologia. Seus algoritmos definem nossos gostos, desejos, medos, e toda uma complexa rede de afetos e pulsões que acabam por definir também nosso comportamento.

O golfo do México não representa uma demanda territorial histórica dos norte-americanos. Na realidade, trata-se de um balão de ensaio do presidente Donald Trump, que tenta solidificar uma agenda internacional agressiva com países em sua esfera de poder. Neste caso, terá o resultado prático por um alinhamento político entre seu governo e o Google.

Fica cada vez mais claro que os países da maioria global precisarão elaborar soluções de tecnologia que passem ao largo das gigantes norte-americanas. Elas se estabeleceram como fornecedoras de serviços que julgamos indispensáveis para a vida contemporânea: mensageiros, editores de documentos, armazenamento em nuvem e as redes sociais, por exemplo.

Sob um véu do discurso liberal de globalização, se imaginou por muito tempo que os humores políticos locais não influenciariam as decisões deste mercado, nem de outras cadeias globais. Hoje, esta análise se prova falha. A indústria de tecnologia norte-americana abandonou a construção de políticas batizadas como woke, sobretudo na fiscalização de informações falsas e no combate a perseguição de minorias. Hoje, internacionalmente, estas ferramentas podem ser ameaçadoras a democracias que não se alinhem ao projeto trumpista.

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