O mundo é um palco

Nyedja Gennari se descreve nas redes sociais como contadora de histórias, entre outras coisas. Um de seus palcos preferidos parece ser as casas legislativas de Brasília.

Há registros de suas atuações no Congresso Nacional em homenagens aos bombeiros, a aviação civil, aos 210 anos da Polícia Militar e até ao governador Joaquim Roriz, em uma cerimônia póstuma a sua morte em 2018.

As encenações não chegaram a ser um sucesso de público e crítica. Seu canal de vídeos tem, em média, menos de 100 visualizações em cada postagem. No entanto, a atriz ganhou relevância no cenário nacional ao interpretar um feto, ainda na barriga de sua mãe, entusiasmado por conhecer o mundo que há por vir. Sua alegria, porém, dá lugar a um grito desesperado do que parece ser dor, ao perceber que sua mãe decidiu por abortá-lo.

A esquete está no contexto das discussões parlamentares da PL 1904/2024. Um projeto que, em resumo, tornaria a pena de mulheres vítimas de estupro mais dura que de seus estupradores. Vem dentro do contexto histórico de uma das legislaturas mais reacionárias e beligerantes da história democrática do Brasil. Atacam em pautas de saúde pública como criminalização radical de todas as drogas, na segurança pública e em outros tantos tópicos sociais.

Normalmente utilizam a estratégia de pânico moral para abalar a opinião pública, o método pensem em nossas crianças! de fazer política. Pois bem, voltemos a Nyedja. Que aceitou o papel de mexer nos afetos do público em favor de um Projeto de Lei descabido, que só ganha repercussão pela polêmica retórica que gera.

Será que ela consegue colocar encaixar o job da vez na mesma caixinha de seus outros papéis? Homenagem a festa junina, homenagem aos bombeiros, homenagem póstuma ao Roriz (!) e cena em favor do PL de criminalização do aborto por vítimas de estupro?

Me parece absurdo. O vídeo da história da vez ainda não está em seu canal. Talvez nunca vá para lá, não se sabe o quanto pegaria bem mantê-lo em seu portfólio. Seu perfil de Instagram está fechado, não sei se recentemente. Pelos quase 25 mil seguidores, pouco provável que não fosse público anteriormente ao fato.

É sempre bom lembrar. No Brasil, cerca de 800 mil mulheres praticam aborto em clínicas clandestinas anualmente. O debate moral do ato pouco importa para a variação deste dado. Não deixará de acontecer, portanto, pela visão de mundo de parte da população, por maior que seja. É ideal, portanto, que o Estado pelo menos crie condições sociais e legais favoráveis para que o procedimento seja feito de maneira saudável, se for de interesse da mãe.

Por este niilismo estético absurdo em que nos metemos, as palavras de Shakespeare ecoam fortes: o mundo segue sendo um palco.

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