Desligar-se

A Folha de S. Paulo, em matéria da editoria de Carreiras, discute um novo termo de discussão comportamental: o medo de se desligar, ou fear of switching off. Seria o temor insuportável de se desconectar totalmente da vida online por um tempo, mesmo que este seja curto.

A matéria dá enfoque aos potenciais impactos profissionais deste fenômeno na vida comum. Também indica que a queixa vem crescendo sobretudo entre as mais jovens gerações a ingressar no mercado de trabalho. Por fim, há uma lista com algumas atitudes que podem ajudar a resolver o problema. Alinhe suas expectativas, estabeleça limites e organize suas pendências, entre outras.

Causa certa curiosidade, em primeiro lugar, que uma pauta de saúde mental esteja sendo discutida na editoria corporativa de um jornal. Não é de se estranhar, portanto, que o texto construa toda sua lógica sobre um ponto de vista funcionalista.

A categorização de afetos como o medo de se desligar, quase em uma posição patológica, com causa, efeito e cura bem delimitados, não é uma novidade. Há anos que espaços de mídia discutem o medo de perder algo novo, ou fear of missing out (FOMO). Um primo próximo ao medo da desconexão, mas muito mais afetado pelo crescimento das redes sociais na última década. Este sintoma apontava para a crescente ansiedade geral em perder novidades, notícias e informações do mundo.

Estas tentativas de categorizar e classificar afetos fazem parte de um movimento de patologização da vida cotidiana. Desde o fim do século XX, os diagnósticos de transtornos de depressão e ansiedade crônica dispararam em todo o mundo, sobretudo em ditos países desenvolvidos. Trata-se da situação, inclusive, como uma “epidemia da depressão”, aonde se têm “doentes” e, claro, uma “cura”.

A lógica por trás deste discurso patologizador é facilmente replicada, de maneira ainda mais rasa, em termos como o fear of switching off. É evidente que os sintomas existem, mas eles fazem parte de um contexto social mais amplo, afetado e formatado por uma estrutura socioeconômica que impõe modos de pensar a quem nela vive.

Aquele que sofre de medo de se desligar não o faz necessariamente por ser desorganizado, como a matéria sugere. O faz pela forma com que relações de trabalho foram moldadas nos tempos contemporâneos.

Num momento pré-hiperconectividade, seria muito difícil de contactar e engajar alguém a resolver questões de trabalho fora do ambiente corporativo. Portanto, a cisão entre trabalho e casa possuía maior contraste no imaginário das pessoas.

Hoje, no entanto, receber e responder mensagens, e-mails e notificações de trabalho em momentos de descanso se tornou algo normal desde a popularização dos smartphones. Em conjunção com o crescente discurso neoliberal de empreendedorismo e meritocracia, que nos estimula a fazer mais, temos uma bomba de ansiedade causada pelo formato das relações de trabalho.

Estas dinâmicas sociais, por sua vez, produzem sua própria cultura. Passam a fetichizar a performance, o ganhador, o melhor, o mais otimizado. Não é à toa que o ambiente corporativo idolatra palavras como inovação, e ainda adotou a disrupção para denotar a ideia de necessidade de reinvenção constante.

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