As palavras do ano para os brasileiros no ano de 2024 foram “ansiedade”, “resiliência”, “inteligência artificial”, “incerteza” e “extremismo”. É isto que revela pesquisa de popularidade conduzida pela consultoria de comunicação CAUSE, que se tornou pauta de jornais Brasil afora neste último mês do ano.
O pequeno vocabulário de cinco substantivos de fato reflete e narra o que tem sido a configuração das relações sociais e econômicas sob a extrema influência das plataformas digitais transnacionais. Elas têm moldado o que consumimos, como trabalhos, como nos relacionamos e, portanto, formam nossa percepção da realidade. O resultado é um mundo canda vez mais incerto sobre antigos problemas de desigualdade, estabilidade política e progresso.
No aspecto da comunicação, o mercado das plataformas sociais adotou em massa o modelo de rolagem infinita de conteúdos nos feeds. Para alimentar tanta demanda por novas histórias, não seria possível se ater a sequência temporal do que seus amigos e páginas de memes estavam postando. Era essencial determinar o que é mostrado ao usuário pela reação que o conteúdo causa. A justificativa é clara: isto gera grande retenção do público na plataforma.
Quem nunca perdeu alguns minutos do dia rolando um feed infinito de vídeos? Há os fofos, os engraçados, os que tiram do sério e os que te fazem chorar. E há as variações múltiplas, infinitas, dos cruzamentos de cada uma dessas editorias das redes, aplicadas na prática em posts que impactam a audiência em poucos segundos.
É de fato uma receita imbatível, sobretudo em estimular o público rapidamente. Não há chance de briga com a leitura, com o cinema, ou se ouvir um disco inteiro, de cabo a rabo. Estas experiências, por mais ricas e diversas que possam ser, não conseguem ter o poder de estímulo que um batalhão de reels dão a um usuário em dez minutos de consumo.
Trata-se de um cenário que evidentemente contribui para o sintoma de ansiedade. O feed que nunca acaba, assim como a rolagem de vídeos verticais sem fim, nos faz querer mais e mais deste ultraprocessado da comunicação. Eles viciam sua audiência. São companhia para a grande massa que passa horas do dia em metrôs e ônibus das grandes cidades. Ou para idosos, que são cada vez mais numerosos no país, e sofrem com a falta de inserção na sociedade contemporânea.
Soma-se a este quadro as relações socioeconômicas na era das plataformas digitais. Quantas relações de trabalho são hoje absolutamente atravessadas e sustentadas pela estrutura digital das big techs? A uberização surgiu há cerca de dez anos, a partir da ineficiência das soluções de transporte público das grandes cidades. Desde então, se espalhou por grande parte dos mercados de prestação de serviço. Um cenário que trouxe precarização do mercado de trabalho, cada vez mais refém de relações menos regulamentadas, que ferem de morte a seguridade social da população.
O reflexo cultural está no culto ao empreendedorismo–coach: uma visão messiânica sobre aqueles que, saindo do nada, se tornaram ricos, bem-sucedidos. Aos que se esforçam mais, está prometido o reino dos céus, porém na terra. Se esforce mais e você será recompensado, agraciado. Um discurso afiado, que detonou as utopias restantes de uma esquerda até hoje fragilizada pelo fim do bloco soviético na década de 1990. Não há na contemporaneidade progressista um discurso renovado que bata de frente com a visão de mundo desta espécie de teologia da prosperidade sem Deus.
O grande problema desta ideologia é ser tão forte e resistente quanto um castelo de cartas. A experiência material da realidade nos mostra o exato oposto. A desigualdade só cresce, tanto no Brasil quanto em todo o mundo. O esforço redobrado, o trabalhe enquanto eles dormem, não garante uma vida melhor: devolve quiçá o mínimo para se viver.
Por fim, é interessante perceber a força do termo inteligência artificial como um destaque. De fato, a popularização das modelos de linguagem de grande escala, da sigla LLM em inglês, mudou a forma que encaramos o futuro do trabalho em inúmeros setores da economia. O desenvolvimento e aprimoramento destes programas não preocupam pela ameaça de se tornarem seres cientes, mas por executar tarefas mecânicas, de repetição, e até trabalhos criativos com grande facilidade. Já é o suficiente para colocar em risco um grande percentual dos postos de trabalho da economia mundial.
O tópico se tornou discussão na mídia, que o cobre de maneiras distintas. Há quem trate com críticas apocalípticas, que prenunciam o fim dos tempos pela chegada da IA, e há os que tem um certo fascínio pela tecnologia. No fim das contas, talvez este seja o ponto que levou o termo ao top de palavras do ano.
Não parece ser preciso se aprofundar em por que este cenário causa ansiedade, incerteza, e nos requer resiliência. Todas estas dinâmicas sociais estão conectadas e moldam a vida cotidiana de cada um profundamente.