O Globo divulgou nesta quinta-feira (4) uma entrevista feita com o ministro do STF Alexandre de Moraes. O tema foi o atual estágio da investigação dos atos terroristas de 8/1 em Brasília.
Chamou atenção a nuance violentas dos planos dos rebeldes, que o ministro relatou. “Eram três planos. O primeiro previa que as Forças Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio.”
O terceiro plano, mais grotesco de todos, envolvia um enforcamento público de Moraes na Praça dos Três Poderes. “E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição.”
O que leva um grupo de pessoas a acreditar numa fantasia de manipulação institucional deste tamanho? Uma lavagem cerebral tão profunda que os faz acreditar e entender que a única solução para o impasse é a aniquilação do juiz, a ponto de expô-lo enforcado em praça pública.
O imaginário de violência da extrema-direita brasileira ultrapassou a barreira da modernidade iluminista e retoma as penas de morte matada, com o máximo de sofrimento e exposição, para servir de lição.
O ciclo está fechado: da tortura à execução, o corpo produziu e reproduziu a verdade do crime. Ou melhor, ele constitui o elemento que, através de todo um jogo de rituais e de provas, confessa que o crime aconteceu, que ele mesmo o cometeu, mostra que o leva inscrito em si e sobre si, suporta a operação do castigo e manifesta seus efeitos da maneira mais ostensiva. O corpo várias vezes supliciado sintesa a realidade dos fatos e a verdade da informação, dos atos de processo e do discurso do criminoso, do crime e da punição. Peça essencial, consequentemente, numa liturgia penal em que deve constituir o parceiro de um processo organizado em torno dos direitos formidáveis do soberano, do inquérito e do segredo.
Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”
O delírio da perseguição também cria na visão do golpista uma perspectiva salvadora em seu ato. Ao modo torto que o bolsonarismo os permite sonhar, viam naquele ato uma tentativa de se fundar um novo homem, puro, sobre os corpos dos inimigos corruptos.
No fim do dia, os bolsonaristas não são sans-culottes numa França monárquica. Seu plano infalível foi um enorme fracasso. Deixaram uma ferida aberta na história republicana brasileira, tentaram destruir parte da memória que tanto odeiam, mas falharam. Porque esbarraram na realidade e o delírio se desfez – ou melhor, se tornou outro.