O que é público quando se pensa que praia é produto?

O Projeto de Emenda a Constituição (PEC) 3/2022 tomou o debate nacional neste início de mês junino. Em resumo, se discute a privatização de toda a costa brasileira. Seria possível (e plausível) entregar toda a administração, exploração e defesa de nossa faixa litorânea nas mãos do interesse privado?

A questão, que mobilizou celebridades, artistas e atletas, escancara a dinâmica agressiva do neoliberalismo: se há a perspectiva de criação de novos mercados, por mais destrutivos que estes sejam, haverá ataque e pressão por dominação econômica e política.

O problema se revela a um olhar crítico em diversas facetas: ambiental, econômica e até em termos de defesa e segurança nacional.

Se convivemos com diversos desastres climáticos em regiões litorâneas, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, qual seria o sentido de entregar mais áreas de potencial preservação para exploração privada? Qual seria o impacto de mais desenvolvimento imobiliário impensado, por exemplo, em mais de sete mil quilômetros contínuos de orla?

Outra questão. Tendo em vista o atual cenário de instabilidade climática no Brasil, não seria mais prudente ter áreas tão importantes como a faixa litorânea sendo administradas por entes públicos? Qual seria o compromisso da iniciativa privada com o bem-estar ecológico do país?

E por fim, como seria possível renunciar a um ativo nacional tão importante quanto nossa orla continental? A que tipo de força política estaríamos entregando a segurança nacional?

Agora, saindo um pouco da surreal discussão e analisando o debate em si: as forças políticas provenientes do casamento entre neoliberalismo e a extrema-direita tomam nossa pauta cotidianamente. E forçam a esquerda a se colocar num papel de defesa institucional, quase uma moderação legalista. Portanto invertem uma lógica histórica e tomam para si o diálogo em questão.

Via Senado Federal

Hoje, ao fim desta primeira segunda-feira (6) de junho, é gritante a rejeição da pauta. Mas aos poucos naturalizamos a discussão de que tudo está a venda, e provavelmente a administração privada de ativos públicos seria mais eficiente.

Desde o ilegal impeachment sofrido pela presidenta Dilma Rousseff em 2016, por exemplo, o Brasil coleciona retrocessos imensuráveis no seu trato com a coisa pública. Privatizamos empresas como a Eletrobras e a Sabesp, e entregamos os direitos de milhões de trabalhadores numa bandeja de prata com a Reforma Trabalhista.

Talvez em um contexto que estes fatos não tivessem ocorrido, a proposta de privatização da costa nacional soaria ainda mais absurda. Mas para explicar o fenômeno, cito Bertold Brecht: “Quando o crime vem como a chuva cai, então já ninguém grita: alto! Quando os delitos se amontoam, tornam-se invisíveis. Quando as dores se tornam insuportáveis, já se não ouvem os gritos. Também os gritos caem como a chuva de Verão.”

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