O que Civil War fala de como lidamos com o horror?

O jornalismo de guerra despertou o fascínio de personalidades marcantes do século XX. De Hemingway a Orwell, não faltam nomes de autores e artistas que se propuseram a presenciar e registrar conflitos das mais variadas magnitudes.

Um campo marcado pelo contato visceral com o fato. O jornalista de guerra, assim como o correspondente em ditaduras, tem a possibilidade de conviver com os lados mais díspares desta moeda violenta: o mandatário do poder, que esgrima em estratégias e persuasões nas grandes câmaras, e o infante, o sans-culottes das revoluções do mundo.

Daí vem uma percepção irrefreável e brutal do real. O horror trágico da guerra se impõe. E não são raras as vezes que os comunicadores ali presentes se tornem cronicamente anestesiados. Deixam de responder ao estímulo porque é insuportável. No entanto, as cenas e os afetos gerados a partir daquela experiência não se perdem.

É neste retrato que tentei rabiscar que se estrutura a trama de Civil War (2024), um filme-distopia produzido pela Netflix, que retrata um irreparavelmente rachado cenário político dos Estados Unidos da América: uma guerra civil.

Há, no entanto, uma preocupação em não se conceitualizar demais o contexto de cada força envolvida no conflito. A guerra está em outra escala quando comparada com a história que acompanhamos. Somos levados em uma viagem de quatro jornalistas, que decidem sair de Nova York e ir até a capital Washington, a fim de buscar uma entrevista exclusiva com o presidente do país em ruínas.

A jornada desenvolve sobretudo a personagem Jessie, uma fotojornalista de 23 anos em busca de inserção na cobertura de guerras. Ela conhece pessoalmente Lee Smith, uma fotógrafa respeitada na área, que acaba por se tornar uma referência para a colega novata.

Jessie sofre e se transforma. É o arco de uma jovem determinada porém doce, representada pelo uso constante de camisetas brancas em seu figurino. Ao fim e ao cabo de todas as experiências que vive, está de preto e tem outra relação com seu objeto de trabalho, a guerra.

Não há, por fim, um entendimento claro da conclusão política dos eventos que vemos na história. Esta confusão parece ser proposital: há poucos indícios de quais forças conseguem tomar o controle de Washington, muito menos sobre suas posições ideológicas.

No entanto, talvez não aja necessidade de se ter este entendimento. Fica implícita uma análise de que as guerras são fruto de convergências políticas, muitas delas aleatórias e nem um pouco idealistas. Os que dominam enviam milhares dos dominados para se matarem na batalha, sem saber o porquê estão se matando. As análises portanto não importam: todo o mundo é um palco.

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